Onde há fumaça, há fogo?
Projeto em parceria com a Energisa treina inteligência artificial para identificar focos de incêndio e proteger o pantanal matogrossense
O Pantanal é um bioma único e rico em biodiversidade, mas também é um dos mais vulneráveis à seca e aos incêndios florestais. Em 2020, os incêndios florestais no Pantanal devastaram mais de um quarto do bioma, matando milhões de plantas e animais. Queimadas naturais costumam acontecer no período da seca, de julho a outubro, mas a ação humana tem aumentado significativamente o número de incêndios – seja pelas consequências das mudanças climáticas, como as secas prolongadas, seja pelo uso descontrolado do fogo, como na limpeza de áreas de pastagem.
Na preservação ambiental, um dos objetivos é identificar rapidamente possíveis focos de incêndio e agir imediatamente para detê-los. Para ajudar a proteger esse rico ecossistema, a Energisa se aliou ao projeto Abrace o Pantanal, que utiliza uma combinação inovadora de câmeras, software de IA e equipes de acompanhamento para monitorar grandes áreas do Pantanal e identificar possíveis focos de incêndio de maneira preventiva.
A inteligência artificial é fornecida pelo software Pantera, desenvolvido pela startup Umgrauemeio e baseado em uma rede neural que foi treinada em um conjunto de dados de imagens de fumaça. O software de IA analisa as imagens das câmeras instaladas em torres de comunicação e outras estruturas no Pantanal em busca de sinais de fumaça. Ao identificar um possível foco de incêndio, o sistema faz uma triangulação, acionando outras câmeras para que elas confirmem se aquilo é realmente uma fumaça, um fogo. Com isso, em apenas 3 minutos, é possível identificar uma fumaça a quilômetros de distância. Quando isso acontece, o sistema envia um alerta para as equipes de monitoramento, que conferem as imagens manualmente e acionam o Corpo de Bombeiros para o envio de uma brigada de combate ao incêndio.
A iniciativa, inédita no Brasil, é uma das maiores do mundo de detecção preventiva de incêndios, com atenção 24 horas por dia, câmeras de monitoramento, inteligência artificial e brigadas. O Abrace o Pantanal protege 2,5 milhões de hectares do bioma, o equivalente ao território da Bélgica, e evitou a emissão de mais de 5 milhões de toneladas de CO2 em 2022.
Histórico do projeto
Na primeira fase do projeto Abrace o Pantanal, os equipamentos foram instalados em 11 torres já existentes, começando pelo território da Serra do Amolar, uma das áreas mais isoladas do Pantanal e que teve mais de 90% de sua rede de proteção afetada nos incêndios de 2020. O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) cedeu um avião para o transporte de 3 toneladas de equipamentos até a região, o que permitiu o início do projeto de monitoramento, em parceria com a JBS.
A Energisa começou a apoiar a iniciativa há cerca de um ano, instalando inicialmente 2 câmeras com giro 360º em torres de comunicação que ficam em sua área de concessão. Na Central de Gestão, operadores treinados ficam monitorando os alertas emitidos pela inteligência artificial e decidem o que fazer com a ocorrência:
– Ao analisar aquela imagem, o operador avalia se realmente é uma queimada, pois pode ser uma pessoa fazendo churrasco, por exemplo. A IA detectou uma fumaça, mas pode não ser uma queimada. O operador interpreta aquilo e, se de fato identificar o perigo, aciona o Corpo de Bombeiros que então vai combater aquela queimada. Com isso, reduzimos o tempo de operação, de combate ao incêndio e evitamos que ele eventualmente se alastre, tome uma proporção maior. Essa é a ideia do projeto – explica Vinícius Ferreira Goulart, Engenheiro de Inovação do Grupo Energisa.
Treinando a inteligência artificial
A introdução da ferramenta tecnológica no Centro de Operações da Energisa não foi tão simples assim, pois exigiu uma mudança de rotina para o bom uso do novo sistema de monitoramento e, sobretudo, para ultrapassar as barreiras do desconhecimento e do ceticismo em relação à IA.
O “falso positivo”, quando a IA confunde algumas imagens com a fumaça e gera alertas falsos, foi uma das principais dificuldades encontradas no início do projeto. A inteligência artificial é capaz de processar rapidamente um grande volume de imagens e identificar manchas cinzas que podem ser sinais de fumaça, ou focos vermelhos e amarelados, que podem indicar a presença de fogo. Mas como ela pode saber se aquilo é realmente uma fumaça ou um fogo?
– Ela pegava, por exemplo, um espelho d’água, que tem um reflexo um pouco cinza, e aquilo às vezes parece fumaça, isso enganava a inteligência artificial. Então no começo do projeto, ela disparava alguns alertas, achando que aquilo era fumaça, mas não era, então o operador ia lá e corrigia. Ensinava à IA, “isso não é uma queimada”, e assim retroalimentava a inteligência. Outro tipo de falso positivo era com farol. À noite, aparecia aquela cor amarelada, a IA achava que era, também o operador verificava e corrigia. Então o operador ia retroalimentando a IA até que ela ficasse bem calibrada e mais eficaz. Esta é uma participação importante do ser humano neste processo – detalha Vinícius.
Com o tempo, o treinamento da inteligência artificial foi surtindo efeito e hoje já chega a um recall de 91%, que é a capacidade de um modelo para detectar todas as amostras positivas.
– É preciso ir junto com a IA, e com o tempo ela vai pegando. Ela vai aprendendo com o que vai acontecendo, e vai refinando. E realmente funcionou – relata Sharles Mendes, supervisor do Centro de Operações da Energisa. – O grupo começou a acreditar nas detecções da ferramenta quando ela evitou uma grande queimada no fim de 2022. Ela havia aprendido, ficou claro para todos! Foi uma queima em uma propriedade privada que poderia tomar grandes proporções. A ferramenta alertou adequadamente, fizemos o acionamento dos bombeiros e vimos que a coisa realmente funcionava.
Parceria com o Corpo de Bombeiros
A implementação dessa solução inovadora é resultado de um empenho coletivo da comunidade local, organizações não governamentais e setor privado, unindo diferentes habilidades e tecnologias. Além da Energisa, há uma rede de parceiros que atua em benefício da preservação ambiental do Pantanal, como a Brigada Aliança, o Instituto Homem Pantaneiro (IHP) e o Polo Socioambiental Sesc Pantanal.
Outra parceria fundamental para o projeto é o Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso. Terceiro maior estado do Brasil, o Mato Grosso possui uma ampla área rural com regiões bem distantes de centros urbanos, de modo que é preciso ter uma rede de parcerias, com monitoramento preciso e fácil comunicação, para poder evitar deslocamentos desnecessários e melhorar o tempo de resposta.
– Sozinhos temos uma abrangência muito pequena. A parceria com a Energisa foi uma forma de prevenir os incêndios florestais. Elaboramos o Plano Conjunto de Prevenção aos Incêndios Florestais e Queimadas 2023, onde constam os objetivos da parceria e um cronograma de execução detalhando quais ações a serem realizadas, por quem e quando – conta Sheila Sebalhos, tenente-coronel do Comando Regional 1 (CR1) do Corpo de Bombeiros Militar do Mato Grosso (CBMMT).
A partir desse plano, foram identificadas as áreas de conservação próximas às linhas de transmissão da Energisa que são mais vulneráveis a incêndios florestais, onde são realizadas ações preventivas como limpeza das áreas, retirada de resíduos e materiais inflamáveis, e implementação de asseios. Além disso, colaboradores da empresa passaram por um treinamento do Corpo de Bombeiros, aprendendo técnicas de combate a incêndios florestais, primeiros socorros e segurança do trabalho, de modo a se capacitarem para um eventual atendimento inicial até a chegada dos brigadistas.
Outra medida importante foi a criação de uma linha direta (hotline) para acionamento do Corpo de Bombeiros. Antes, quando necessário, eles eram acionados pelos operadores da Energisa através da central de atendimento comum disponibilizada pela instituição. Com o projeto e a necessidade de resposta rápida às detecções da IA, além da transmissão de imagens e coordenadas de localização, fez-se necessária a criação de um canal exclusivo de comunicação. Essa precisão e agilidade fizeram a diferença num caso de julho deste ano, quando os bombeiros foram acionados pela equipe da Energisa:
– Como foi repassado ao Corpo de Bombeiros o trajeto georreferenciado das linhas de transmissão da Energisa, conseguimos fazer o envio das equipes ao local específico, no ponto exato, e eventualmente ter contato com quem está próximo para tentar perceber a gravidade da situação e evitar deslocamentos desnecessários – conta a tenente-coronel Sheila.
Resultados
Trazer uma inovação dessa natureza com impactos socioambientais positivos através da prevenção gerou um sentimento positivo nos colaboradores da Energisa e também uma nova relação da empresa com a comunidade, com os órgãos públicos e com a sociedade em geral.
– Nós éramos muito reativos antes da ferramenta aqui no Centro de Operações, ou seja, agíamos depois que já se tinha um determinado problema. Quando veio a ferramenta, tivemos a possibilidade de conseguir agir quando a coisa está começando a acontecer. Agora estamos sendo proativos. Estamos vendo como a empresa pode ser ágil e ter cuidado com o Pantanal – orgulha-se Sharles.
Claro que a Energisa também tem benefícios diretos, uma vez que, ao monitorar os focos de incêndio, evita que as queimadas afetem sua rede de transmissão e gerem interrupção no fornecimento de energia elétrica. Mas o foco do projeto é sempre a proteção da fauna e da flora pantaneiras:
– Durante a experimentação em si, a gente não verificou nenhum prejuízo neste sentido, pois não teve nenhuma ocorrência nas nossas redes. O que evidencia um bom resultado, pois evitamos que a queimada chegasse na rede. O número que temos é o de queimadas identificadas pela IA, que são mais de 170 – comemora Vinícius.
Sobre o Abrace Pantanal
O Abrace Pantanal faz parte de uma iniciativa ainda maior chamada Abrace a Floresta que, por também meio da plataforma Pantera, traz uma dimensão ampla de monitoramento e gestão na prevenção e combate a incêndios em tempo real, com proteção da biodiversidade. A intenção do Abrace a Floresta é triplicar o alcance do projeto no Pantanal, além de futuramente estendê-lo a outros parques e reservas nacionais, como a Chapada dos Veadeiros (Goiás), Chapada dos Guimarães (MT) e áreas da Amazônia.
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