Jardim de Pedra: a história esquecida de Glauce Rocha
Documentário e exposição em cartaz no Espaço Energia, em Campo Grande (MS) resgatam a trajetória de uma das grandes vozes do Cinema Novo
Você já ouviu falar em Glauce Rocha? É um nome que circula muito por aí, nomeando ruas, praças e teatros em diversas cidades do país. Em Campo Grande/MS, seu nome batiza o teatro da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Mas afinal, quem foi Glauce Rocha?
Foi cursando jornalismo na UFMS que Daphyne Schiffer também se fez essa pergunta. Dessa curiosidade inquietante nasceu o curta-metragem documentário Jardim de Pedra: Vida e Morte de Glauce Rocha, dirigido por Daphyne e Rodrigo Rezende. O filme pode ser assistido dentro de uma exposição sobre Glauce que ocupa o Espaço Energia em Campo Grande até o dia 14/02.
Na época do curso de jornalismo, eu sempre frequentei o Teatro Glauce Rocha, que é o maior teatro da cidade. Eu sempre perguntava para as pessoas, quem foi Glauce Rocha? Ninguém sabia dizer, alguns achavam que era um homem. Eu quis descobrir quem era essa mulher, o que ela tinha feito, por que que ela dá nome a um teatro. Assim eu comecei a pesquisa e fui me apaixonando cada vez”, contou Daphyne.
Nascida em Campo Grande, em 1930, Glauce Rocha destacou-se como uma das grandes atrizes do teatro e do cinema brasileiros. Quando a atriz nasceu, o Mato Grosso ainda era unificado. Vinda de uma região ainda pouco representada nas artes nacionais, Glauce trouxe um olhar único e poderoso para o palco e as telas. Mudando-se para o Rio de Janeiro, logo se integrou aos círculos artísticos, tornando-se uma das vozes ativas do Cinema Novo, movimento que revolucionou o cinema brasileiro com sua abordagem crítica e inovadora.
No teatro, Glauce brilhou em montagens marcantes, sendo reconhecida por sua presença cênica e intensidade emocional. No cinema, atuou em filmes emblemáticos, como Os Cafajestes (1962), obra que desafia tabus da sociedade da época; Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, uma das obras-primas do Cinema Novo; além do icônico e revelador 5x Favela (1962). Seus trabalhos não apenas consolidaram sua posição como uma das grandes intérpretes brasileiras, mas também contribuíram para discutir temas políticos e sociais que marcaram os anos 1960 e 1970.
Toda essa trajetória brilhante foi interrompida precocemente em 1971, aos 41 anos, devido a complicações de saúde. Sua morte foi uma perda irreparável para a cultura brasileira. Como no Brasil nem sempre temos os grandes nomes da cultura lembrados e reverenciados como deveriam, o filme de Daphyne Schiffer lança uma luz fundamental no legado desta grande mulher brasileira. A pesquisa foi intensa e envolveu a busca por fontes em Campo Grande, Rio de Janeiro e São Paulo.
Quando decidi fazer a pesquisa, tudo começou como meu trabalho de final de curso, mas o projeto foi crescendo. Sabendo que ela tinha trabalhado no Rio e em São Paulo, viajamos para lá e conseguimos entrevistar pessoas importantes que tiveram muito contato com a Glauce, como o Cacá Diegues. Fiz pesquisas no Arquivo Nacional e depois fui para São Paulo, onde conversei com atrizes que acompanharam a carreira da Glauce, como Norma Blum. Mas o lugar mais importante foi a Cinemateca Brasileira”, disse Daphyne.
A pesquisa na Cinemateca Brasileira trouxe à tona muitas informações sobre filmes, peças e participações de Glauce na construção de um cinema nacional vivo, premiado e combativo. Apesar de seu enorme talento, Glauce Rocha não era uma atriz que queria o glamour do tapete vermelho. Os holofotes só serviam para quando estava em cena. Totalmente entregue com paixão à sua profissão, Glauce atuava como quem luta para educar e transgredir.
Com o material que recolhemos, é possível fazer um longa sobre a Glauce. Achei histórias maravilhosas. Como quando um espectador dormiu no meio de uma peça e ela o acordou dizendo que teatro não era lugar de dormir e sim de refletir! Outra bem impactante é quando uma de suas falas em uma peça foi censurada pela ditadura militar. Glauce usou gestos bem expressivos que traduziam no corpo o que não podia ser dito em voz alta. Isso saiu nos jornais, ela foi levada à delegacia, teve que prestar depoimento e correu muitos riscos, mas não admitia ser censurada”, contou a diretora.
A passagem pelo Rio de Janeiro levou Daphyne ao Retiro dos Artistas, um local que já teve um jardim com o nome de Glauce Rocha, segundo seu biógrafo José Octávio Guizzo. Mas, o Brasil é mesmo um país afeito a apagamentos. Aqui onde tudo parece construção e já é ruína, como diz Caetano Veloso.
Quando cheguei ao Retiro dos Artistas não achei o jardim, achei apenas um pátio acimentado, um jardim de pedra. Isso me pareceu tão simbólico sobre esses esquecimentos e o que escolhemos lembrar da nossa cultura. Ali entendi que essa metáfora deveria ser o nome do filme”, revelou Daphyne.
No documentário, a atriz Norma Blum nos fala sobre como um país sem memória é um país sem futuro, de como precisamos resgatar esse passado, entender quem e o que veio antes de nós para poder seguir em frente, corrigindo os erros do passado e inventando um novo futuro. É isso que o filme de Daphyne faz pela memória de Glauce Rocha, do teatro e do cinema brasileiros.
Se você mora em Campo Grande, pode ir ao Espaço Energia ver a exposição sobre Glauce Rocha e assistir ao curta Jardim de Pedra: Vida e Morte de Glauce Rocha. Ou siga o perfil @jardimdepedraofilme para descobrir as próximas exibições em outros locais.
Glauce Rocha vive não apenas nos teatros, ruas e espaços que levam seu nome, mas também na memória de quem se dispõe a redescobrir sua história e seu legado. Ao apoiar projetos como Jardim de Pedra, a Energisa reforça seu compromisso com a valorização da cultura brasileira. É por meio de ações como essa que a empresa contribui para manter viva a memória de quem ajudou a moldar nossa arte, inspirando novas gerações e conectando as comunidades ao rico patrimônio cultural brasileiro.
Serviço:
- Exposição sobre Glauce Rocha
- Local: Espaço Energia (Av. Afonso Pena, 3901, Campo Grande/MS)
- Datas: de 21 de novembro de 2024 a 14 de fevereiro de 2025
- Horários:
- Exposição: de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h
- Exibições do curta Jardim de Pedra: Vida e Morte de Glauce Rocha: terças e quintas-feiras, às 10h e 13h15 (16 min de duração)
- Entrada: gratuita
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